25 março 2019

Quem arquivará a internet para as futuras gerações?

Brasil não preserva sua web, enquanto alguns países avançam no arquivamento digital. A França começou a coletar a web em 2002, hoje são 20 bilhões de URLs arquivadas


Atestado de nascimento do Brasil, a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal foi preservada durante mais de 500 anos em lugares diferentes. Atualmente arquivada na Torre do Tombo, sede do Arquivo Nacional de Portugal, a carta de 1.500 está acessível digitalmente a qualquer interessado, em qualquer lugar do mundo. Cinco séculos depois, numa era onde tudo se converge para a internet, qual a garantia que os conteúdos produzidos originalmente em formato digital estarão disponíveis para as gerações futuras? No momento, nenhuma.
Com 20 anos de internet, o Brasil ainda não conta com nenhuma instituição, legislação, diretriz  ou esforço que garanta que conteúdos produzidos na web sejam vistos como patrimônio cultural e, assim, coletados, catalogados e armazenados. Símbolo da relevância digital deste começo de 
século 21, a memória das recentes manifestações de junho, paradoxalmente, só está garantida 
nos formatos impressos.
Pela natureza efêmera da internet, sites desaparecem ou são atualizados frequentemente. O apagão da memória da internet já pode ser sentido. Dificilmente seria possível contar a história e analisar as eleições presidenciais a partir dos sites dos candidatos. Desde 1998, já se foram quatro eleições presidenciais com a presença da internet e nada foi coletado e sistematizado.
O problema não é só do Brasil. Poucos países têm política ou instituições voltadas para o arquivamento web. Algumas iniciativas tem sido tomadas para minimizar o apagão. A mais antiga delas é o Internet Archive, de 1996. Através do Waybackmachine a instituição tem armazenado 347 bilhões de URLs de cerca de 40 países, inclusive o Brasil com 2,5 bilhões de capturas. No fim de 2012, o conteúdo total representava 10 petabytes, informa Kristine Hanna, diretora do Internet Archive, em entrevista ao Estadão Acervo. Em 1996, foi a vez da Austrália coletar o conteúdo produzido e que fazia referência ao país. O exemplo foi seguido pela Suécia, no ano seguinte. Hoje, as instituições pioneiras estão reunidas no Consórcio Internacional de Preservação da Internet
(IIPC na sigla em inglês).
Fundado em 2003, o IIPC é uma organização virtual, colaborativa, descentralizada, como a internet. Como informa o site, ele atua na construção de tecnologias e conhecimento para o novo desafio de armazenar sistematicamente o mar de informações produzidos na web. O Consórcio reúne cerca de 40 instituições (bibliotecas, arquivos, Internet Archive) de 30 países - nenhum da América Latina. A sua missão é coletar, preservar e tornar acessível o conteúdo da internet para as futuras gerações.
A quantidade enorme de sites arquivados, e o tempo que o Waybackmachine tem atuado, pode causar uma sensação de conforto. Mas o projeto do Internet Archive tem suas limitações e não é possível depositar nele a memória da rede. O critério de armazenamento são os sites mais populares, e por questões de direitos autorais dos EUA, o Waybackmachine só existe porque é uma organização sem fins lucrativos. As leis de copyright americanas não permitem o armazenamento de conteúdo, mesmo o da internet.
Se o IIPC tem o objetivo comum preservar a web e desenvolver ferramentas comuns, cada membro tem atuado de maneira distinta. Em contraposição ao modelo americano, a França foi o primeiro país a tratar o arquivamento web como questão de Estado e o conteúdo da internet como patrimônio cultural.   Leia mais     Fonte: Carlos Eduardo Entini - OESP