Quase 30 anos atrás, pesquisadores na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estavam pesquisando mitocôndrias de batatas — por pura curiosidade — quando encontraram uma proteína que até então só era conhecida em mamíferos, chamada termogenina (ou proteína desaclopadora). Ficaram surpresos, porque, até onde se sabia, a função dessa proteína era gerar calor para controlar a temperatura corporal dos animais “de sangue quente”; e as batatas não precisavam disso. Então, ela deveria ter alguma outra função.
O achado foi publicado na revista Nature, em 1995, em colaboração com cientistas da USP, e a partir daí descobriu-se que essa proteína está presente no organismo de todas as plantas e animais — não apenas nos mamíferos ou nas batatas —, e que ela tem um papel fundamental no controle do metabolismo humano. É por causa dela que algumas pessoas (em que essas proteínas são mais ativas) conseguem comer muito sem engordar: porque elas queimam o excesso das calorias que consomem com mais eficiência.
“A verdade é que você só descobre coisas completamente novas, e muda muito o rumo da ciência, quando vai procurar coisas muito fundamentais e muito novas. Essa é a importância da ciência básica”, disse a bioquímica Alicia Kowaltowski, professora do Instituto de Química da USP e especialista em metabolismo. “Óbvio que fazer ciência de desenvolvimento é extremamente importante; você conseguir deslanchar um produto para o mercado. Mas a grande mudança de conhecimento vai vir do desconhecido.”
Alicia foi a convidada desta semana do programa Você e o Pesquisador, uma série de lives organizadas pela Pró-Reitoria de Pesquisa, com apoio do Jornal da USP, em que pesquisadores são convidados para falar sobre as contribuições que a ciência feita na universidade traz para a sociedade. Hoje professora titular do IQ-USP e referência internacional no estudo do metabolismo humano, ela era aluna de graduação e fazia iniciação científica no laboratório do professor Anibal Vercesi, na Unicamp, quando ele descobriu a proteína desacopladora, em 1995.
“Hoje a gente sabe por que algumas pessoas são muito magras por causa de um cara que estava estudando mitocôndrias de batata. Ninguém poderia prever isso”, disse Alicia. O estudo do metabolismo, ressaltou ela, tem implicações práticas cruciais para o entendimento de como os alimentos, o ambiente, o envelhecimento e o nosso comportamento influenciam a ocorrência de uma série de doenças graves ao longo da vida, como obesidade, câncer e diabete.
Assista à íntegra da entrevista. Fonte: Jornal da USP - 09/09/20