Baixo fator de impacto gera círculo vicioso que precisa ser rompido
O fator de impacto (FI) foi criado como uma medida de qualidade para as revistas científicas. Hoje, tem um uso totalmente diverso do que foi imaginado por Eugene Garfield, pois, além de ser a medida de influência e qualidade da revista, transformou-se em uma medida de reputação e prestígio do pesquisador. “Claramente, esse modelo de medida da ciência precisa ser repensado, sob o risco de se ter uma ciência avaliada de forma totalmente artificial, que não mede a repercussão ou o impacto que uma publicação pode ter”, ressalta a cientista, doutora Claude Pirmez, editora do periódico Memórias do Instituto Osvaldo Cruz.
O FI é calculado anualmente dividindo-se o número de citações que a revista recebeu nos dois anos anteriores pelo número de artigos publicados naquela revista nesse mesmo período. Isso significa que um FI hoje reflete artigos que foram publicados três ou quatro anos antes. Para a doutora Pirmez, médica patologista do Instituto Oswaldo Cruz, a questão da visibilidade que uma revista tem é algo importante a ser pensado, pois pode influenciar enormemente o FI já que um artigo só poderá ser citado se for visto. Nesse contexto, fatores como idioma, indexação e acesso ao artigo tem um peso significativo para tornar a revista mais visível e, por consequência, potencialmente mais citável.
É preciso deixar claro que o índice de citação pessoal é diferente do fator de impacto. Enquanto o primeiro detecta o quanto o seu trabalho publicado tem repercussão no meio acadêmico, o segundo mede apenas o quanto a revista é capaz de ser reconhecida como aquela que publica trabalhos de qualidade. Como o FI é calculado como média, o que ocorre é que ele pode ser alto somente por causa de um ou poucos artigos. Pirmez explica que revistas de alto FI podem ter muitos artigos sem citação e alguns poucos com muita citação. Mas esses últimos carregam todo o prestígio da revista e, apesar do FI representar apenas uma média do impacto de seus artigos, acaba revelando o padrão de qualidade da revista. “Infelizmente, é esta a maneira que o meio acadêmico passa a reconhecer um bom artigo. Isso faz com que os pesquisadores que têm publicação em revistas de alto impacto tenham maior facilidade de obter financiamento, o que, por consequência, faz com que aquele laboratório tenha mais condições de trabalhar e, ao fim, de publicar mais”, complementa.
No Brasil, as publicações são diretamente proporcionais à evolução da pós-graduação. Um dos critérios de avaliação dos cursos é o Qualis, um indicador brasileiro que classifica as revistas utilizando o FI como principal critério para o ranqueamento. Como a maioria das revistas brasileiras tem baixo fator de impacto, pouquíssimas estão no topo dessa hierarquia. “Mas aqui se vê um paradoxo importante que merece uma reflexão: se, por um lado, o governo lança editais para auxílio editorial, por outro não há incentivo da pós-graduação em publicar em nossas revistas, uma vez que elas não teriam um FI à altura de um Qualis que ajudaria a colocar um curso de pós no mais alto nível. Isso é surpreendente quando vemos o investimento feito pelo governo no Portal Periódicos: com o dinheiro público, a Capes paga para disponibilizar gratuitamente à pós-graduação o conteúdo das revistas”, observa.
Segundo Pirmez, o Portal Periódicos sem dúvida alavancou enormemente a produção científica no País, e representa uma infraestrutura importantíssima para a ciência brasileira. “Mas, veja o dilema, o curso de pós-graduação para manter ou subir o seu nível precisa publicar em revistas Qualis A, e para publicar nestas é preciso pagar. Isso quer dizer que estamos pagando duas vezes, uma para publicar e outra para acessar aquilo que publicamos”, aponta. Muitas revistas brasileiras são gratuitas, tanto para o autor quanto para o leitor (o que é o caso das Memórias do Instituto Osvaldo Cruz). Mesmo assim, a tendência de todo pesquisador, com estímulo da pós-graduação, é buscar revistas de alto FI e consequentemente Qualis ‘melhores’. Segundo a cientista, infelizmente, não há incentivos para publicação nas revistas brasileiras, pois na sua maioria, estas têm baixo fator de impacto, gerando, portanto, um círculo vicioso que precisa ser rompido.